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ACONTECEU COMIGO

Compartilho, aqui, minha experiência no tratamento urológico pelo qual acabei de passar. Talvez ainda não tenha terminado. Sei que muitos passam pelos mesmos problemas e sentem os mesmos sintomas, e talvez, por questões culturais, vergonha ou constrangimento, não procuram ajuda e quando menos esperam, estão com um problema maior e irreversível. Meu objetivo, além de compartilhar minha experiência e meu conhecimento, é torná-los cientes do que vão encontrar e enfrentar. Deixo também, este canal aberto pra que possam compartilhar suas experiências e tirar suas dúvidas.


Tudo começou por volta de 2007, quando comecei a perceber os primeiros sintomas, até então, uma leve dificuldade para urinar, tão leve que parecia ser algo pontual e passageiro, sequer despertando a mais remota preocupação.

Com o passar de alguns mêses, os sintomas se tornaram mais frequentes e mais intensos. Sem muita preocupação, pesquisei sobre o assunto na internet e encontrei bastante informação no site de um médico de Porto Alegre (RS). Entrei em contato com ele, que prontamente me atendeu e respondeu a todas as minhas dúvidas através de uma consulta online. Preciso dizer que nessa época, consultas online não eram tão populares como hoje, e aqui vai um agradecimento especial a esse médico, que infelizmente agora, não me recordo do seu nome. Na época eu não fiz muita questão de guardar todos os registros. Esse médico disse que tudo parecia estar dentro da normalidade, e me orientou a fazer um exame para ver como estava meu PSA. Enviei a ele os resultados e realmente estava tudo normal. Poderia estar, sim, ocorrendo um aumento natural da próstata, mas que se tratava de uma “hiperplasia benigna”, e que na minha idade, então com 43 anos, não havia com que me preocupar. Me orientou que procurasse um médico aqui em São Paulo – onde moro – caso houvesse algum outro sintoma ou alguma alteração.

Fiquei aliviado, pois a primeira coisa que vem à mente de um homem com mais de 40 anos é câncer de próstata.

Não sei se os sintomas amenizaram um pouco com o passar do tempo ou se eu me acostumei com eles. Mas o tempo passou. Em 2018, onze anos depois dos primeiros sintomas, que até então não tinham sido tão significantes, se intensificaram, e muito, cheguei a um ponto que não dava mais pra tolerar ou ignorar. Quase não conseguia mais urinar. Não era doloroso, mas bastante penoso. Precisava fazer uma força muito grande e a quantidade que saia era muito pequena, não só no fluxo, mas na quantidade de urina em si. Às vezes simplesmente pingava. Quem já passou por isso sabe o que estou dizendo. A bexiga não esvaziava por completo e logo tinha que ir ao banheiro novamente, sem falar que na maioria das vezes eu não conseguia esperar, tendo que achar um banheiro o mais rápido possível, e ainda ocorriam pequenos escapes de urina. Perdi a conta de quantas vezes eu molhei minha calça na rua.

Dessa vez, procurei um médico daqui de São Paulo mesmo, que pediu de imediato uma tomografia. Na consulta de retorno ele me revelou um outro problema muito mais grave e que eu nem sabia: meu rim direito havia aumentado de tamanho. Estava literalmente quase o triplo do seu tamanho, enquanto que o rim esquerdo apresentava-se normal. Ele havia parado de funcionar. Estava cheio de urina armazenada. A urina não descia para a bexiga devido a um cálculo (pedra) de 2cm/3,5cm alojado no ureter, o canal que liga o rim á bexiga. O problema da próstata se tornava quase que insignificante diante daquele quadro. Meu rim direito havia se tornado um “saco de urina” (termo usado por esse médico) prestes a se romper, o que causaria um estrago ainda maior.

A minha sorte (sim, vou chamar de sorte) foi que eu não sentia NENHUMA dor, e quem já teve cálculo renal sabe muito bem que é a pior dor que existe. Imagine como seria a dor provocada por esse cálculo com essas dimensões! Aliás, essa ausência de dor foi vista como um sinal de que o meu rim direito já havia morrido, não funcionava mais, porém a região do ureter onde ele havia alojado também seria motivo de dor imensa. Acredito eu, que pelo fato de o rim não estar funcionando, mandando urina para a bexiga, é que justificou a ausência da dor, pois já me foi dito que o que realmente causa a dor é a pressão causada pela tentativa de passagem da urina. Como a urina não estava passando, a dor não era provocada, mas em fim…

O doutor queria me internar na mesma hora e queria realizar uma cirurgia para remoção desse cálculo imediatamente. Cogitou-se até a possibilidade de também retirar o rim, pois não apresentava sinais de vida. Mas eu não tinha plano de saúde e o valor que ele me passou era alto demais (R$ 12.000,00 só o procedimento, fora a internação, anestesista, auxiliares… valor vigente na época, hoje é muito mais). O procedimento seria feito na sua própria clínica, mas eu não tinha como pagar. A saída foi tentar pelo SUS, o que deu início a um outro pesadelo.


O SUS não é só o pior sistema público de saúde do mundo como o mais burocrático, e isso eu falo e repito com todas as letras. Nele você não pode marcar uma consulta com um especialista, tem primeiro que passar por uns três clínicos geral para depois, caso esses três estejam convencidos de que você realmente precisa de um atendimento com um especialista no seu problema.

Eu tive que, primeiro, passar numa unidade que eles chamam de AMA (Assistência Médica Ambulatorial) localizada no seu bairro. Ao passar por essa AMA, atendido por um clínico geral em não mais do que 5 minutos, fui encaminhado para um outro tipo de unidade chamada UBS (Unidade Básica de Saúde) que nem no meu bairro ficava. Me deram um protocolo de atendimento e encaminhamento pra serem apresentados nessa UBS. Fui no mesmo dia (doce ilusão). Entreguei o encaminhamento e me disseram que eu teria que esperar um contato deles via telefone para informar a data e local da consulta. Fizeram minha carteirinha do SUS e me dispensaram. Me ligaram depois de 6 meses pedindo pra que eu comparecesse à mesma unidade para uma consulta com um especialista, no meu caso, um urologista.

Esse urologista me atendeu também em menos de 5 minutos (conclui que é padrão do SUS) e me passou uma lista grande de exames. Pelo menos (pensei comigo) agora parece que vai. Doce ilusão! Os exames não poderiam ser feitos nessa unidade e me encaminharam para uma outra unidade chamada UPA (Unidade de Pronto Atendimento) que ficava mais próxima da minha residência. Me orientaram que eu deveria chegar cedo pra pegar uma senha de atendimento. Fui na manhã seguinte pra ganhar tempo. Chequei por volta das 6:30h da manhã e já havia uma fila do lado de fora, na calçada, com umas 45 pessoas – a unidade de atendimento só abriria às 7:00h. Sei que havia 45 pessoas por que minha senha foi de número 46. Era final de inverno em São Paulo e fazia muito frio. Colheram todos os exames e me orientaram a aguardar novo contato por telefone, informando uma nova data para uma consulta nessa mesma unidade.

Aguardei por exatos 4 meses, (ora, sabemos que exames laboratoriais mudam de uma semana pra outra). Compareci na data marcada e, pra minha surpresa, a consulta não foi com um urologista, e sim com um clínico geral (parece piada). O que um clínico geral faria com os resultados daqueles exames de caráter urológico? A única coisa que eu consegui pensar na hora foi “o que eu estou fazendo aqui?”. O tal médico olhou os exames e ouviu a minha história até com uma certa boa vontade. Notei que ele percebeu meu desapontamento, mas ele era apenas mais uma peça da engrenagem desse sistema chamado SUS. Me orientou a aguardar novo chamado para uma nova consulta, segundo ele, com um urologista.

O final do ano chegou. Fui à Brasília passar as festas de fim de ano com minha irmã, e acho que devido uma reação (efeito colateral) da medicação que estava tomando, tive um desmaio, perdi os sentidos e cai batendo a cabeça na quina de uma cadeira. Fiquei pouco tempo desacordado, mas quando acordei, devido a batida na cabeça, não conseguia falar, apenas balbuciar coisas sem nexo. Minha irmã ficou assustada e chamou o resgate. Me levaram para um pronto socorro (SUS). Demos entrada no hospital às 14:45. Já estava normal, falando normalmente e plenamente consciente. Esperamos por exatas 13:30h (treze horas e trinta minutos) e não fui atendido. Conseguem imaginar ficar dentro de um hospital público durante treze horas e meia, esperando pra ser atendido? As justificativas eram as mais variadas: o médico foi atender um paciente, o médico foi chamado no centro cirúrgico, o médico está jantando, houve troca de plantão e o médico já vai te chamar… Isso sem mencionar que me deram a pulseira vermelha quando cheguei (a pulseira vermelha significa prioridade e emergência no atendimento). Depois de 13:30h de espera, estressado, cansado, com fome, com sede, com dor nas costas e nas pernas, desisti de esperar e fui embora. Esse é o SUS!!! Quem fala muito “Viva o SUS!!!” é porque nunca usou!

Aguardei 9 longos meses, e o meu problema só aumentava, e lembrava que o primeiro médico, o particular, queria me internar no mesmo dia…

Quando finalmente me ligaram, me informaram que a minha consulta seria sim, com um urologista, mas que seria numa outra unidade UBS localizada em um bairro distante. O médico olhou meus exames, ouviu minha história (contada pela enésima vez) e pediu novamente OS MESMOS EXAMES, visto que aqueles já tinham perdido a validade. Juro, senti vontade de chorar. Refiz todos os exames naquela UPA, chequei de madrugada, fiquei em pé do lado de fora na calçada e fiquei novamente aguardando. Dessa vez foram só 2 meses. Voltei àquela UBS do bairro distante, mostrei os exames e FINALMENTE alguém se convenceu de que meu problema era grave, MAS, eu deveria aguardar consulta com um urologista cirurgião (ele não era cirurgião, foi o que eu ouvi dele).


Aguardei, pasmem, 1 ano e 2 meses. Dessa vez, marcaram no Hospital Santa Marcelina, um hospital universitário que fica no extremo da Zona Leste de São Paulo, umas duas horas e meia da minha casa). Esse hospital atende pacientes particulares e pacientes do SUS. O governo ajuda com subsídios e em troca o hospital atende o SUS. O hospital é até muito bom, bem organizado e limpo (o que as AMAs, UBSs e UPAs deixavam a desejar).

Aguardei umas duas horas pra ser atendido. Havia uns 70 pacientes da urologia pra serem atendidos na minha frente. Fui atendido por um médico residente que, ao se deparar com o meu caso, não soube o que dizer. Nunca tinha visto algo parecido, e chamou seu mestre (vou evitar dizer nomes) que também ficou assustado com o quadro já bastante avançado. Pediu que eu refizesse todos os mesmos exames, inclusive de imagens, que até então NINGUÉM do SUS havia pedido. Os exames foram marcados pra 30 dias depois daquela data e 2 dias antes da data da consulta seguinte. Gostei desse sistema, bem melhor que no SUS.

Os exames foram feitos todos no próprio hospital, e quando cheguei para a consulta, novamente tive que aguardar um número enorme de pacientes na minha frente. Até hoje não entendi o porquê de tanta demora, uma vez que se tratava de 12 médicos residentes para realizar os atendimentos, e vale dizer que eram bem rápidos. Mas em fim, finalmente fui chamado e para o meu espanto, era um outro médico, ou seja, tive que explicar TUDO novamente, contar toda a minha história, mostrar todo o arsenal de exames e laudos, e igualmente ao médico anterior, ficou espantado com o caso, não sabia o que fazer, o que indicar e foi chamar seu mestre, o mesmo da outra consulta, mas que pelo comportamento parecia não ter me reconhecido.

Sugeriu que fosse marcada uma ureteroscopia, uma cirurgia para a retirada de pedras no sistema urinário através de um procedimento endoscópio, uma intervenção minimamente invasiva (minimamente nada, é totalmente invasiva e destruidora, dependendo de quem está realizando). Vale lembrar aqui que já estávamos em plena pandemia e que todas as cirurgias eletivas tinham sido canceladas. Prometeram tentar me “encaixar” na agenda de cirurgias do hospital, e que entrariam em contato comigo. Fiquei ciente das normas do hospital no que se referia à marcação de cirurgias, uma vez que a Urologia tinha um número limitado e que as emergências tinham prioridades. Organização e planejamento que não vi no SUS.

Bem, pra quem já havia esperado tanto tempo, essa parecia ser mais tranquila, já que o problema iria finalmente ser resolvido (antes fosse…). Passados 8 mêses, me informaram a data da cirurgia e uma data para realizar todos os exames novamente, uma semana antes da data da internação. Marcaram uma consulta também, no dia anterior à cirurgia para algumas informações. Pra minha surpresa, havia um terceiro residente pra me atender, e que mesmo diante de todo aquele histórico, não sabia ao certo o que eu iria fazer e claro, não sabia o que me dizer. Fui EU que o alertei da cirurgia que faria na manhã seguinte e que eu estava alí pra receber maiores orientações como: horário de chegada, tempo de jejum, o que levar e não levar, necessidade de estar com acompanhante… Novamente, foi chamar seu “mestre”, que foi quem me deu todas as orientações. Mais espantado ainda fiquei quando perguntei ao “mestre” se era ele quem iria realizar o procedimento, quando me disse com todas as letras: “não sei, será quem estiver escalado de plantão amanhã”. Pensei: “não estou acreditando no que estou ouvindo”. Bem, a sorte havia sido lançada. “Seja o que Deus quiser!!!“.

Me preparando para entrar no centro cirúrgico.

No dia seguinte, estava lá bem cedo. Me apresentei no setor de internação e sem muita demora vieram me chamar. Me conduziram até o centro cirúrgico, muito bem estruturado, vale dizer, com 12 salas de cirurgia ao todo. Me deram as vestes necessárias pra eu me trocar e me colocaram numa cadeira de rodas para aguardar a liberação de uma das salas. Todas já estavam sendo ocupadas mesmo naquela primeira hora da manhã. Sentia um mix de tensão por estar alí, naquele centro cirúrgico, frio por causa do intenso ar condicionado, nervoso, ansioso, um pouco de medo (confesso) mas bastante esperançoso (nunca havia tido uma cirurgia até então). Finalmente tudo iria se resolver (doce ilusão…).

Chegou a minha vez. Pensei: vamos lá, seja o que tiver que ser! Sem muita demora, me colocaram deitado na mesa e me prepararam para o procedimento. Quando acordei, já estava numa sala grande chamada de “sala de recuperação anestésica”, com muitos outros pacientes, se recuperando da anestesia também. Logo veio o médico residente que realizou o procedimento e que me deu o primeiro banho de água fria. Disse não ter conseguido extrair a pedra porque havia utilizado um equipamento rígido e que em determinado ponto, “meu ureter apresentou uma dobra, ou uma curva, e com o instrumento rígido não foi possível continuar”. O que? Como assim? Perguntei. Mas a única coisa que me disse foi que agendariam uma nova consulta para me explicarem tudo. A única coisa que eu questionei naquele momento foi, se com o “rígido” não foi possível, porque não utilizaram um que não fosse rígido (se há um rígido, deve haver também um que não seja)? Afinal, eu já estava lá, na mesa, sedado, com o médico com suas mãos em mim…

Tive alta no mesmo dia e fui pra casa decepcionado. Tanto tempo esperando, cheio de esperança, toda a tensão, ansiedade, expectativa, estresse, medo… em vão!

A consulta foi marcada uma semana depois. Mal pude acreditar no que ouvia. Pareciam tentar justificar o injustificável. Prometeram nova data para um novo procedimento, mas que, como eu acabara de sair de um, poderia demorar meses novamente. Me sugeriram que eu retornasse um mês depois, pois tentariam me internar via Pronto Socorro. Assim a cirurgia aconteceria sem espera. Aceitei, claro! O quanto antes, melhor! Segundo eles, usariam um “instrumento flexível” dessa vez.

Enquanto isso, meu problema só se agravava. Eu já estava muito inchado devido a retenção de líquido no corpo e a insuficiência renal. Era uma corrida contra o tempo, sem falar que a todo momento, cogitavam em tirar o meu rim direito. Segundo eles, o fato de eu não estar sentindo dor, nem com o imenso cálculo alojado no ureter e nem no rim hiper dilatado, poderia ser sinal de que este rim já não estava mais funcionando, apesar de uma cintilografia ter registrado menos de 10% de sua atividade.

Um mês depois estava eu novamente lá, já preparado pra ficar internado. Passei pelo ambulatório, onde me explicaram tudo novamente e me encaminharam para a enfermaria do pronto socorro.

Meu Deus… Sem exagero, havia mais de 500 pacientes literalmente amontoados em macas, umas ao lado das outras, encostadas umas às outras. A maca em que eu estava não cabia nessa enfermaria, não havia espaço pra mim. Me colocaram bem na entrada, onde a porta abria e fechava o tempo todo com o entra e sai de técnicos e auxiliares de enfermagem, e a cada vez que essa porta se abria, batia na minha maca, e todos se esbarravam nela. Além do mais, estava quebrada, não tinha como levantar um pouco a cabeça. Não havia lençóis ou cobertores, apenas um lençol que encontraram que foi utilizado para forrar a maca. Já estava em completo jejum. Isso foi por volta das 19:00h.

Por volta das 3h da manhã, uma equipe de limpeza veio lavar o chão da enfermaria, e com o remanejamento das macas de um lado para o outro, conseguiram encaixar a minha no meio dos outros pacientes. Mas como já disse, ficava uma encostada na outra. Cada vez que um técnico vinha administrar algum medicamento em algum paciente, era necessário arrastar várias macas para um lado pra que o profissional pudesse passar e chegar até o paciente. Quando terminava, arrastava todas as macas de volta. O mesmo, tinha eu que fazer, cada vez que precisava ir ao banheiro. Chamava um auxiliar que estivesse por alí pra que me ajudasse, então ele abria um pequeno corredor entre os pacientes pra que eu pudesse ir e voltar. E foi assim a noite toda, deitado numa maca quebrada, com fome, com sede, com frio (usava apenas aquela camisola aberta nas costas), sem coberta, sem apoio para a cabeça, sem nada. Às vezes era melhor ficar sentado na maca do que deitado. Nessas enfermarias, as luzes ficam acesas a noite toda, com pessoas falando, gente entrando e saindo, alguns pacientes gemendo… é impossível dormir, ainda mais naquela maca.

O dia amanheceu, houve troca de turno, e eu sequer havia dormido. Já estava me questionando se tudo aquilo estaria valendo a pena. Tentava buscar informações, mas ninguém sabia de nada. Veio o horário do almoço e eu continuava alí, com fome, com sede, com sono, com frio, cansado, estressado, tenso, desconfortável e sem saber quando eu seria levado para o centro cirúrgico.

Por volta das 16h, vi um dos urologistas residentes entrarem na enfermaria. Ele já havia me atendido no ambulatório e sabia que eu estava alí aguardando. Fui falar com ele. Muito nervoso, me respondeu de maneira rude e mal educada. Disse que “havia casos mais graves do que o meu, de risco de vida e que eu deveria esperar pacientemente”, me fazendo entender que estavam me prestando um favor. Retruquei dizendo não estar reclamando ou cobrando, mas apenas pedindo informação. Já estava alí há mais de 20 horas, há 28 horas de jejum e sem dormir. Só perguntei se havia alguma previsão. Como já disse antes, vou evitar citar nomes. O dia acabou, e só por volta das 19h é que vieram me levar para o centro cirúrgico. Eu não sei o que me deixava mais feliz e aliviado, se era o fato de sair daquele verdadeiro umbral ou de saber que finalmente o pesadelo estava pra acabar.

Marcaram um “x” na minha mão direita, com uma caneta! Quando questionei, disseram que era para o cirurgião não operar o lado errado (sim, fiquei pasmo com isso, mas prefiro não comentar…). Já estava tão esgotado com tudo aquilo que preferi manter o foco na cirurgia. Fui levado numa cadeira de rodas e me deixaram aguardando no corredor enquanto liberavam a sala. Por causa da pandemia, havia procedimentos mais específicos para a higienização das salas e dos equipamentos entre uma cirurgia e outra.

Fui posto na mesa e logo vieram me sedar. Me aplicaram a raqui (odeio, mas vou discorrer sobre isso em outro momento) e quando acordei, ainda na sala de operação, um dos auxiliares disse “tudo ter corrido muito bem”. Já era quase 9h da noite e acabei passando a noite toda naquela sala de recuperação anestésica.

Acordei feliz, mesmo estando já em jejum há mais de 36 horas, afinal, tinha finalmente retirado a pedra. Doce ilusão!

Não demorou muito e um dos residentes veio me informar que “infelizmente não conseguiram extrair a pedra, mesmo com o equipamento flexível” porque segundo ele, “aquela curva ou dobra no meu ureter impedia tanto o equipamento rígido quanto o flexível de chegar até o cálculo”. Podem imaginar minha grande decepção? Todo aquele sofrimento de quase 48 horas em vão, pra nada. E ainda havia me dito que tudo tinha corrido bem! Questionei o porquê de não terem usado o plano B e feito uma cirurgia aberta, que fosse, mas que tivessem retirado o “bendito” cálculo. Será que não previram que o flexível também não resolveria? Haviam me sedado mais uma vez, me exposto a riscos mais uma vez, me machucado mais uma vez, pra NADA!!!

Diante de tudo aquilo, do estresse, do cansaço, da fome, da sede, da decepção, a única coisa que consegui fazer foi chorar. Precisava colocar tudo pra fora. Estava esgotado fisicamente, emocionalmente e psicologicamente. Eu tinha chegado no meu limite, e o que é pior: totalmente impotente! O médico me vendo naquele estado, sugeriu que eu permanecesse em jejum pois tentaria mais uma vez me encaixar na planilha de cirurgias do dia para um novo procedimento, o que não aconteceu porque seu mestre não permitiu. Preferiu me dar alta e disse que agendaria uma nova cirurgia. Iria pra casa novamente sem ter meu problema resolvido. Nesse momento então, eu perdi totalmente a esperança e decidi que não faria mais nada. Deixaria tudo acontecer. Não me conformava com o fato de ter passado por DUAS cirurgias para retirada de cálculo renal sem sucesso. Que espécie de médicos urologistas eram aqueles que não conseguiram extrair um cálculo renal? Questionava o porquê de não terem tentado tudo na primeira cirurgia, inclusive o “plano B”, ou seja, se não deu certo nem com a ureteroscopia rígida e nem com a flexível, por que não fizeram a cirurgia aberta? Só depois eu soube que existem normas protocolares que só permitem executar aquilo que foi proposto no agendamento. Somente em caso de emergência, quando o paciente está em risco de vida, o cirurgião pode fazer o que for necessário, tendo a obrigatoriedade de justificar o procedimento escolhido. Mesmo assim, deveriam ter incluído todos os possíveis procedimentos necessários para a extração do cálculo. Mas em fim…


Confesso aqui que depois disso tinha perdido todas as esperanças e a vontade de viver. Entrei em depressão, o que fez meu problema se agravar ainda mais. Devido à grande insuficiência renal meu corpo ficou extremamente inchado. Minhas roupas não mais serviam, não conseguia calçar nenhum tipo de calçado. Já nem saia mais de casa, pra nada. Cheguei a usar manequim 46 e mesmo assim as roupas ainda ficavam apertadas. Eu não me reconhecia, não gostava do que via no espelho. Minha próstata continuava inchada. Comprimia a bexiga e fazia com que eu fosse ao manheiro de hora em hora, inclusive durante a noite – acordava umas 7 vezes durante a noite pra ir ao banheiro. Qualidade de sono: “zero”! Como pode alguém dormir se, em 7 horas de sono, acorda 7 vezes pra urinar?

Não havia roupa ou calçado que entrasse ou servisse.

Com muita insistência (muita mesmo) da minha irmã, resolvemos então ir para o particular, mesmo que isso nos custasse muito dinheiro. Tínhamos um pouco de dinheiro guardado e se fosse preciso, pegaríamos empréstimo no banco. Não queria mais saber do SUS. Ninguém merece esse tipo de tratamento, EU não merecia isso.

Procurei então, aquele médico particular que havia me atendido logo no início, há 5 anos, mas ele não atendia mais naquela clínica, e eu havia perdido seu contato. Procurei outros, uns até meio famosos, influenciadores na internet com vídeos tutorias e explicativos. Alguns deles vivem mais pelo status e visualizações na internet do que propriamente por suas profissões. Esses eu descartei logo de cara. Estava desanimado, pagando consultas caras, mas sem encontrar nenhuma credibilidade. Informações diferentes, opiniões contrárias, sugestões opostas, e eu não sabia quais seriam as melhores, ou melhor, as corretas.


Um dia, passando pela rua, me vi na frente de uma unidade da rede de clínicas do dr.Consulta (clínica que oferece consultas com especialistas e exames à preços mais populares). Naquela altura do campeonato, sem nada a mais a perder, “por que não?” ,pensei comigo. Entrei pra saber mais informações e saber se tinham urologistas. Sim, tinham, mas eu teria que agendar a consulta previamente. Perguntei se não teria como agendar ali mesmo, e se possível pra aquele dia mesmo. Sim, podia, pois havia alguns horários livres. Aguardei alguns minutos e logo fui atendido.

Fui muito bem recebido e atendido (como já mencionei, não vou citar nomes, mesmo porque, esse médico em questão não gosta de holofotes, pelo menos os vindos de mim). Contei toda a minha história, mostrei todos os exames já realizados (eram muitos), relatei as tentativas desastrosas que passei no Hospital Santa Marcelina, e perguntei sobre a sua opinião. Com muita calma, de maneira até didática, me explicou tudo o que estava acontecendo comigo, todos os riscos que eu corria, os procedimentos que poderiam ser feitos e pediu novos exames, mais atualizados, inclusive os de imagem. Ao ver os resultados dos exames sugeriu de cara uma cirurgia para retirada do enorme cálculo alojado no ureter, que estava causando todo o problema no rim. Traumatizado com a experiência tida com os residentes do Santa Marcelina, só pedi duas coisas a ele: que retirasse o cálculo, não importasse como (instrumentos rígidos ou flexíveis, ou até mesmo uma cirurgia aberta caso fosse necessário) e que o procedimento fosse realizado por ELE MESMO. Isso ele me garantiu que sim, que ele mesmo faria tudo.

A data da cirurgia foi marcada no Hospital Paulistano (excelente hospital, e caro, devo mencionar – não vou citar valores – mas não estava preocupado com isso, pois a ÚNICA coisa que eu queria era retirar aquela pedra e salvar o meu rim). Esse médico tinha me dado novas esperanças.

Fiquei feliz ao vê-lo me esperando no centro cirúrgico com a certeza de que ele mesmo faria a cirurgia. Estava também esperançoso, afinal, tudo iria se resolver finalmente. Havia colocado todas as minhas esperanças naquele médico. Estava levando em consideração a sua atenção e empenho em resolver meu problema. Parecia se importar comigo e estava alí, do meu lado, ou seja, nada do que eu havia tido antes. Finalmente estava em boas mãos. Só me lembro que a última coisa que eu disse antes do efeito da anestesia, foi que ele retirasse a pedra, não importasse como. E me lembro claramente que ele respondeu que eu “sairia da cirurgia sem ela”.

Após a cirurgia, ele ficou aguardando, esperando que eu acordasse da anestesia. Eu estava ainda meio grogue, mal conseguia responder a qualquer pergunta, mas estava consciente e capaz de ouvir e entender tudo. Ele se aproximou meio sem graça e me disse não ter conseguido retirar o cálculo. Disse ter tentado tanto com o instrumento flexível como com o rígido, e que não havia sido possível devido a um bloqueio que impedia o acesso à pedra. Foi um banho de água fria, ou melhor, gelada. Não consegui falar nada, tanto ainda pelo efeito da anestesia quanto pela decepção. A única coisa que consegui fazer foi ouvir e olhar pra ele. Aliás, meu olhar devia estar tão fortemente desapontado e decepcionado que ele, desconcertado disse “não olha pra mim assim!”.

Eu não podia acreditar no que estava acontecendo. Depois de tudo que eu já tinha passado, nem ele havia conseguido retirar o cálculo. Não entendia, não entrava na minha cabeça, como é que NINGUÉM conseguia. Será que era tão complicado pegar um bisturi e abrir a minha barriga e retirar a maldita pedra? Será que eu teria que implorar pra que fizessem isso? Mil “o quês” e “porquês” passavam pela minha cabeça. Eu não conseguia nem chorar.

Tive alta no mesmo dia, afinal, nada havia acontecido naquele centro cirúrgico. Voltava pra casa do mesmo jeito, com os mesmos problemas, de volta á estaca zero. Havia gasto um dinheiro com exames, com o hospital, com a internação pra absolutamente nada! O que eu sentia era um misto de tristeza, decepção e depressão. Não falei mais nada com ele.

Dois dias depois ele quebrou o silêncio com uma mensagem perguntando como eu estava. Nem era preciso perguntar, mas foi então que consegui desabafar e falar tudo que estava sentindo. Conseguimos até ter um diálogo e ele pode me explicar com mais detalhes todo o procedimento e o porquê de não ter dado certo. Questionei o porquê de ele ter feito os mesmos procedimentos realizados no Santa Marcelina, mesmo já sabendo dos resultados, e o porquê de não ter tentado retirar a pedra entrando com o instrumento por cima, de cima pra baixo através do rim, ao invés de só tentar por baixo (vi essa possibilidade na internet, num dos muitos vídeos que assisti sobre o assunto). Tentou justificar tecnicamente a “impossibilidade de realizar o procedimento por cima”, e como sou leigo, não discuti muito. Estava propenso a desistir de tudo e pedi que marcasse uma cirurgia pra uma nefrectomia radical (retirado do rim) antes que o pior acontecesse.

Uma semana depois ele me ligou dizendo ter pensado bastante e após analisar bem as imagens e laudos dos exames, que sim, que tentaria realizar o procedimento “por cima” e que na tentativa de salvar o rim, faria também uma nefrostomia (colocaria uma sonda no rim com uma bolsa externa coletora de urina) pra que pudesse ocorrer um esvaziamento, eliminando toda aquela urina armazenada no seu interior.


Em menos de um mês, já estava marcada a cirurgia, dessa vez, no Complexo Hospitalar do Mandaqui – um hospital público, mas muito bem equipado e administrado, e uma referência. Marcou a cirurgia lá porque trabalha nesse hospital como cirurgião geral, e porque alí ele teria maior controle. Cheguei bem cedo no horário marcado por ele e por volta das 8:00hs já estava no centro cirúrgico. A internação foi via Pronto Socorro, mas nada comparada à que foi no Sta Marcelina – processo rápido. Aliás, preciso dizer que esse médico praticamente me conduziu pelas mãos: me recepcionou assim que eu cheguei, foi comigo até o setor de internação, verificou toda a papelada, me acompanhou até a sala de preparação para a cirurgia e só nos separamos enquanto eu me trocava e colocava acessos intra-venosos, e ele preparava a sala de cirurgia (equipamentos, instrumentação…). A anestesia foi geral (gosto dessa, minha preferida, mas como já disse, depois falarei sobre isso).

A cirurgia correu maravilhosamente bem. Essa imagem mostra o momento final da cirurgia. Esse paciente coberto (questão de privacidade) sou eu, ainda sedado. O meu médico é o que está à esquerda, e à direita está um outro médico que atuou como seu assistente. Foi nesse procedimento que ele viu que não havia uma dobra ou curva no meu ureter, mas sim, uma “membraninha” de nascença, que atuava como uma espécie de prateleira e que vinha retendo ao longo dos anos todas as minúsculas pedrinhas que meu organismo produzia. Essas pedrinhas foram se acumulando nessa membrana formando assim, uma enorme pedra, ao ponto de bloquear a passagem da urina.

O cálculo ainda não havia sido removido. A eminência naquele momento era salvar o meu rim, por isso a colocação da sonda (nefrostomia). Fiquei apenas 2 dias e meio internado e logo pude ir pra casa. Tinha que me adaptar à minha nova condição. Digo isso porque não foi nada fácil conviver com aquela sonda no meu rim e uma bolsa coletora pendurado do lado externo. Dormir era a maior das dificuldades – dormia apenas numa única posição, virado pra cima, sem poder me virar. Complicado também era me locomover com aquela bolsa, sem falar no banho, uma outra dificuldade. Nas primeiras semanas havia muito sangue na urina coletada pela bolsa, chegava a ser assustador, mas depois começou a clarear. Espero que as imagens não os deixem perturbados, não é minha intenção.

Fiquei com essa sonda por 45 dias, quando fiz uma nova cintilografia que mostrou um aumento do funcionamento do rim e uma diminuição no seu tamanho. Fiquei muito feliz. A sonda já poderia ser retirada. Cheguei a dar um abraço no meu médico em agradecimento. Eu não teria mais que retirar meu rim, coisa que todos os outros médicos pelos quais eu passei anteriormente, queriam.

A única coisa desagradável que enfrentei nesse momento foram as idas ao banheiro em espaços de tempo muito curtos, quase que de 20 em 20 minutos, e quando vinha a vontade, tinha que correr para o banheiro. Não havia como segurar. Por várias vezes, estando fora de casa, tive escapes de urina. Isso perdurou por vários meses. Tive que usar cuecas especiais, feitas com o mesmo material das fraldas, pois os escapes de urina eram constantes. Outro fato, também bastante desagradável, foi que às vêzes, a urina armazenada no rim direito não saia pela sonda indo para a bolsa coletora, mas sim pelo orifício da pele por onde a sonda entrava, e me molhava todo, escorria pela perna, molhava o chão, era um desastre. Esse foi um dos motivos os quais eu evitava sair de casa. Era algo que eu não tinha nenhum controle. A única coisa que vinha à minha cabeça era que pudesse estar havendo algum entupimento da sonda com algum coágulo, talvez. Pior ainda e mais constrangedor era quando essa urina saia com sangue, bem vermelho escuro, como se pode ver na foto acima.


A cirurgia para a retirada da sonda foi marcada, dessa vez no Hospital Presidente, na Zona Norte de São Paulo. Não tão sofisticado, mas muito bom. O único problema – nada relacionado a mim ou a minha cirurgia – foi que caiu num daqueles dias que tudo parece dar errado (Lei de Murphy). O hospital estava em reforma, e com isso, alguns andares estavam interditados (o número de apartamentos estava reduzido), não havia ar condicionado em alguns setores, inclusive no apartamento onde fiquei. Dos 6 elevadores, apenas 2 estavam funcionando (um para pessoas e outro para macas), tive que esperar quase 2 horas pra que desocupassem e limpassem meu apartamento… enfim, tudo isso me deixou tenso, apreensivo, estressado e nervoso horas antes da cirurgia.

Fui finalmente para o quarto. Tomei um banho e logo vieram me preparar para a cirurgia. Com todos esses acontecimentos, minha pressão estava alterada, mas nada que pudesse adiar a cirurgia. Vesti o camisolão, deitei na maca e fui levado para o centro cirúrgico. Mais de 20 minutos esperando o elevador que só subia lotado, e eu ficando ainda mais tenso. Finalmente ele veio vazio, só com uma pessoa dentro. Misticamente essa pessoa era o meu médico. Bastou eu ouvir a voz dele dizendo “e aí Toninho?” (ele me chama carinhosamente de Toninho) e toda aquela tensão desapareceu, como num passe de mágica. Tal como um filho amedrontado se acalma ao ouvir a voz do pai, sentindo-se confiante e protegido. Foi assim que eu me senti, afinal, estava em boas mãos. Esse médico provoca essa sensação em mim. Como já disse anteriormente, não vou citar nomes, mesmo porque ele não gosta quando faço elogios a ele – pelo menos os meus elogios, ele não gosta. Eu já fiz muitos e ele sabe o que penso, isso é que importa.

Subimos juntos para o centro cirúrgico. Estava tudo já preparado, só nos aguardando. Tudo correu bem. A sonda foi retirada, a pedra foi finalmente retirada (de cima pra baixo) e foi colocado um “duplo j”, um cateter ligando o rim e a bexiga, pra facilitar a passagem da urina, e pra evitar que algum inchaço no próprio ureter, devido a cirurgia, o que poderia dificultar a passagem da urina. Recebe popularmente esse nome por ter as suas extremidades curvadas, lembrando a letra “J”. Sem nenhum agravamento, tive alta no dia seguinte à tarde.

As semanas que se seguiram foram as piores. Acredito que, por estar com um objeto estranho no meu corpo, o mal estar era intenso e constante. Não houve rejeição, mas tive muita fraqueza. Aquele cateter no meu corpo consumia toda a minha energia. Tinha dificuldade pra fazer tudo, mal conseguia ir ao banheiro ou até cozinha. Total apatia e letargia. Aliás, durante os três mêses que se seguiram, eu devo ter envelhecido uns 20 anos, não na aparência em si, mas na idade do corpo: perdi massa muscular, grande parte dos pelos do corpo, passei a ter problemas de memória, dores nas juntas e uma fraqueza generalizada. Pensei até fazer reposição hormonal, mas logo tudo começou a voltar ao normal. Alguns sintomas ainda persistem.

Corpo já bastante desinchado.

Fiquei com esse cateter por quase 2 mêses. O rim já estava funcionando bem (quase 100% da sua capacidade), mas teria que retornar ao centro cirúrgico para substituir esse “duplo j” por outro. Esse procedimento foi feito também no Hospital Presidente. Dessa vez a reforma já havia acabado e não houve nenhum transtorno. Procedimento simples e rápido. Fiquei menos de 24 horas no hospital.

Depois desse procedimento, não houve mais aquele mal estar, talvez por já estar acostumado. Já estava tendo uma vida normal. O inchaço no corpo diminuía a cada dia. Pessoas já notavam a diferença. Aos poucos meu organismo colocava pra fora toda a água que havia sido “armazenada” durante anos. Do manequim 46, voltei a usar manequim 40 e algumas peças se mostram largas – a diferença é muito grande.


Finalmente, depois de quase dois anos, o problema do rim havia sido resolvido (graças ao meu excelente médico) e o cálculo extraído. Dava então início ao tratamento da próstata, minha dor inicial, o problema que me levou a procurar um médico 12 anos atrás. Mal podia esperar.

Foi feita uma RTU (ressecção transuretral de próstata) novamente no Hospital do Mandaqui. Dessa vez fiquei mais tempo que o de costume, não por ter tido alguma complicação, mas porque se faziam necessários um período de observação e o uso de uma sonda. Foram 5 dias ao todo. Fui muito bem atendido e cuidado. Toda uma equipe que está de parabéns. Não sei se o fato de ser amigo do médico contribuiu para isso, não importa. O que importava mesmo era que eu estava livre daquele tormento. A urina saia da bexiga para a uretra sem nenhum bloqueio. Não imaginam a emoção e a felicidade que senti quando urinei pela primeira vez sem a sonda! Acertei a tampa do vaso do banheiro do hospital. Mangueira de corpo de bombeiros perdeu longe, comparada ao “conta-gotas” com o qual eu convivia há mais de 12 anos.

Nos primeiros 30 dias passei por uma nova readaptação, de volta ao que eu era antes do problema surgir. Estava voltando a ser normal. Uma febrezinha de vez em quando, algum mal-estar, um pequeno sangramento…, mas nada sério. Havia me livrado de 3 grandes problemas: rim (na eminência de ser extraído), um cálculo renal no tamanho de uma azeitona preta no ureter bloqueando completamente a passagem da urina e uma próstata aumentada no tamanho, que dificultava muito a micção. Evitava apenas atividades pesadas ou que exigissem muito esforço.

Curativo da nefrostomia. Era por aqui que a sonda entrava até o rim.

A única sequela (se é que se pode chamar assim) que ficou e que me incomodou muito, foi a chamada ejaculação retrógrada – havia o orgasmo, mas não havia a ejaculação. O esperma, ao invés de sair é jogado pra dentro da bexiga e depois expelido junto com a urina. Pra quem pretende ter filhos, deve-se pensar duas vezes antes de se submeter a esse procedimento (RTU) ou achar uma outra alternativa. Eu não pretendo ter filhos, mas não deixou de ser uma sensação muito estranha. A sensação é de que o orgasmo não foi completo ou que foi interrompido prestes a acontecer. Interessante é que, após as primeiras semanas tudo ainda estava normal. Cheguei a pensar que isso não aconteceria comigo. Mas depois do segundo mês, a fonte secou. Confesso que foi muito ruim. Por sorte, esse problema acabou com o tempo, e hoje está tudo normal. A ejaculação acontece de maneira normal. Se não voltar ao normal com você, procure seu médico. Ele saberá como te orientar.

No mais, o que tenho que fazer agora é manter exames regulares, pelo menos duas vezes ao ano, pra saber se o rim continua funcionando de forma normal, verificar se a próstata não voltou a aumentar de tamanho, se o jato da urina continua “forte” e checar o PSA. Prevenir nunca é demais. Eu ainda tenho um excelente médico, que hoje posso chamar de amigo. Não vou mencionar nomes, como já disse, não quero expô-lo, e ele nem gosta disso, mas se quiserem uma indicação, me enviem uma mensagem, e eu passarei o contato dele.

Há ainda mais uma cirurgia; devido a obstrução causada pelo aumento da próstata, acabei desenvolvendo uma hérnia umbilical, devido a enorme força que eu fazia pra urinar. Mas de acordo com o meu médico, será um procedimento simples. Vamos aguardar.

Totalmente desinchado.

Como disse no início, o meu objetivo com esse relato foi compartilhar informações e experiências com quem provavelmente passará por tratamentos similares, pra que saibam o que os espera, como será e o que sentirão. Eu me vi no meio desse furacão, totalmente perdido, principalmente no início. Só passei a ser orientado (e muito bem orientado) quando iniciei o tratamento com meu médico atual. Pode ser que eu tenha esquecido algum detalhe ou fato importante, mas estarei sempre atualizando com mais informações. Estarei também sempre aberto a diálogos e pronto a prestar qualquer informação. Sintam-se à vontade em perguntar e questionar. Se quiserem compartilhar suas experiências, serão muito bem vindos também.

Eu não poderia deixar de agradecer a uma legião de anjos que, em algum momento, cuidaram de mim. Eu posso dizer que tive muito boa sorte, pois mesmo em meio ao turbilhão de desencontros, desinformações e decepções, sempre encontrei profissionais atenciosos que fizeram mais do que lhes era esperado. Exerceram suas funções com maestria. Enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, foram muitos que passaram por mim, que estiveram comigo, mesmo para um simples curativo, mas que tinham um sorriso de conforto. Por isso eu os chamo de anjos. Me lembro de todos e espero um dia reencontrá-los e poder agradecer pessoalmente. A todos, a minha eterna gratidão!

Não poderia de deixar um agradecimento especial ao meu médico, por quem eu terei eterna gratidão por tudo que fez, por seu esforço e empenho. Fez coisas que nenhum outro médico faria e sei também que não fez e não faz pra todo mundo. Me sinto privilegiado por tê-lo encontrado nessa trajetória. Ele é o cara! O melhor! E pra mim ele é o único. No começo éramos meros médico e paciente, hoje somos amigos. Por várias vezes o ouvi me dizendo “estamos juntos nessa luta”. E realmente foi uma luta, afinal, das 8 cirurgias que tive em 2 anos, 6 foram com ele. Passaria por TUDO NOVAMENTE, desde que fosse com ele. Recomendo fortemente! Obrigado doutor, obrigado meu amigo, muito obrigado!

Agradeço também aos amigos que sempre se dispuseram a ajudar de alguma forma, às vezes até sendo meus acompanhantes nos hospitais (hospitais exigem acompanhantes quando o procedimento envolve anestesia). Deixaram seus afazeres pra me acompanhar. Minha gratidão a eles também. Contem comigo sempre que precisarem.

Homens, se cuidem!


Mais algumas imagens…

Rosto ainda bastante inchado, momentos antes da nefrostomia, no Hospital do Mandaqui.
Meu quarto no Hospital Presidente.
Um pouco do que restou da pedra alojada no ureter, em pequenos detritos.
Troca do curativo nos pontos da nefrostomia. Corpo ja bastante desinchado.
Vista noturna da minha janela no Hospital do Mandaqui.
Vista da minha janela no Hospital do Mandaqui.
Vida voltando ao normal, desinchado e fazendo uma das coisas que mais gosto de fazer: praticar esporte.